27 de set. de 2011

V.

“De alguma forma, tudo se ligava a uma história que ouvira certa vez, sobre um menino que nascera com um parafuso de ouro no lugar do umbigo. Durante vinte anos, ele consulta médicos e especialistas em todo mundo, tentando livrar-se do tal parafuso, sem sucesso. Finalmente, no Haiti, encontra um feiticeiro de vudu que lhe dá uma beberagem malcheirosa. Ele bebe, dorme e tem um sonho. No sonho, vê-se numa rua iluminada por lâmpadas verdes. Seguindo as instruções do feiticeiro, dobra duas vezes à direita e uma à esquerda, partindo de seu ponto de origem, encontra uma árvore junto à sétima lâmpada de rua, toda coberta com balões coloridos. No quarto galho de baixo para cima há um balão vermelho; ele o estoura e lá dentro há uma chave de fenda com cabo de plástico amarelo. Com a chave de fenda, remove o parafuso da barriga, e assim que isso acontece ele acorda do sonho. É de manhã. Ele olha para o umbigo, o parafuso desapareceu. A maldição de vinte anos foi finalmente suspensa. Delirante de alegria, ele salta da cama, e sua bunda cai.”

16 de set. de 2011

Marromenos

Quanto mais fotos de repúblicas mequetrefes-porém-cheias-das-boas-vibes e festinhas com sangue de boi e amor no coração, comentários sobre trabalhos cansativos e prazos estressantes que ai meu deus, aquele professor maldito não podia ter dado; a cada relato dessa vida de quem estuda fora, proporcionados pela maior rede social do século XXI nesse ano (o facebook), um pensamento vencedor me passa pela cabeça, sempre: eu vou dar conta de lavar minhas roupas à tempo? Porque eu sinto que sou o tipo de cara que vai usar sunga para não ter que apertar três botões, etc etc.

Nesses tempos confusos eu tenho pensado nessa de ser maduro para as coisas. Parece que entrar na faculdade te coloca uma aura ao redor, que suga teu quinhão de besteira para sempre e substitui por uma necessidade bocó de ser categórico o tempo todo e se afastar de quem, hahaha, não está acima da nota de corte.

A cena padrão dos últimos tempos, ouvir de quem nasceu uma primavera antes de mim um cretino “você ainda tem muito que aprender da vida”. Não deixa de ser verdade, admito: eu mal sei escrever um texto com coerência entre os parágrafos, lá vou saber todas as manhas desse jogo fundamental? O que incomoda é a pompa, o ar de deboche; é aquele filho da puta que gosta de Lars von Trier e se acha especial por isso, te pintando como um débil mental para todo mundo na mesa.

Questão de não ser imbecil, mas também não ser cabaço.

10 de set. de 2011

Menos frases sacais, mais palavrões em caixa alta

Lendo uns posts antigos, vejo como meus textos deixaram de ser “confortáveis” para se tornarem áridos, distantes e simbólicos demais; falam mais da vida do que sobre mim, e de um modo tão distante e geral que às vezes eu tenho que puxar na memória, com muito esforço, o que eu queria dizer de fato com isso ou aquilo.

Pode parecer egocentrismo achar que a impessoalidade é uma falha, mas o espaço está aqui para isso, acho. Quando eu leio o blog de alguém, conhecido ou não, eu espero ver alguma parte significativa da pessoa; algo que seja íntimo, mas não necessariamente profundo.

Certo que, ao mesmo tempo que com as palavras eu venho sendo mais conciso, a exposição do que eu sinto é bem maior, em um nível pessoal. Só preciso aprender a remediar os dois, mas sem muito exagero, como agora.

E eu não posso fingir que não sei os motivos, porque eu sei: é a vontade de ser certeiro e muito inteligente e muito legal, para se equiparar ao resto da rede mundial no quesito “amargurado com a vida só que de um modo irônico e produtivo”. Tem funcionado tão bem que, na falta de alguém pra achar isso bobo, eu faço as vezes.

Simplicidade, mas não sequidão; não embelezar demais, mas não tirar demais.

Todo texto, no fundo, é só uma conversa de boteco. Se tu não se sente feliz relembrando cada uma, é porque alguma coisa tem que mudar.

Flutuando no espaço

“Tem vezes que não dá para fazer nada; o que te sobra é ler, ouvir, tocar, assistir... colher material para produzir mais coisas. Você passa tanto tempo recolhendo referências e sentimentos, para jogar tudo de uma vez no papel. E depois desse tempo mínimo de ação, vem uma sensação de vazio, como se você já tivesse tirado todo o sentido do momento: a banda que resumia tudo começa a ficar insuportável, os traços que você passou tanto tempo aperfeiçoando, tu não gosta nem de lembrar, e todos os princípios de música parecem bobos.”

Tu compra novos livros, baixa novas bandas e conhece novos artistas; vai para frente. Mas o espaço de tempo entre esses momentos deixa qualquer um com a cara no chão.