20 de jan. de 2010

Sobre Wilco, Glória, e música

   Vamos falar de música, esse assunto que figura em tudo que eu falo. E vamos falar sobre como algumas atitudes, perante a música, me deixam puto, e isso também figura em tudo que eu falo. Se formos levar em conta, eu sou um velho amargo.

   Pode parecer que é a mesma coisa que eu fiz em um texto do ano passado, mas aquele fazia referência a ouvir música, e esse é sobre fazer. Mas com um pouquinho de ouvir também, não sei.

   O negócio é o seguinte: meus amigos e colegas e conhecidos, em grande parte, são FÃS de bandas como Green Day, Glória, Hevo 84, Cine, Strike e outras coisas que formam o limbo musical. E por fã vocês devem considerar que eles tem oito músicas da banda no celular, uma camiseta da mesma, e a cara de pau de sair dizendo que são profundos conhecedores. Isso me irrita mais do que as outras coisas, mas é coisa pra um próximo texto.

   O que me irrita no momento (esse texto é o momento) é que, a maioria desses amigos e colegas e conhecidos, de uma hora pra outra, quiseram aprender a tocar violão. Todos compraram os seus, aprenderam três acordes, tiraram fotos marotíssimas com seus instrumentos, colocaram essas fotos no orkut, e saíram por aí dizendo que tocam muito. Isso me irrita pra caraleo: eu toco há mais tempo que esses ACCs, eu sei mais que esses ACCs, mas nem por isso fico dizendo isso o tempo todo, ou tirando fotos com meu violão com poses malandras. Não me pegue errado, mas é a verdade.

   Ainda assim, não é isso que me deixa mais emputecido. Esse mérito vai para o fato de essas mesmas pessoas ficarem clamando todo o tempo que “o fulano do Green Day toca muito, o fulano do Fresno toca muito” e assim vai.

   Por sorte nunca fui fisgado pelo espírito maligno das bandas três acordes, então eu nunca fiquei muito impressionado com o que eles fazem. Mas porra, mesmo se ficasse, não sairia por aí afirmando com a segurança maior do mundo que esses sim são os maiores guitarristas da história. Ainda mais quando eu não sei nada de música, tecnicamente falando.

   É um fato que a maioria dessas bandas não passa de powerchords fuleiros, e não tem nem idéia do que está fazendo, teoricamente falando, e isso é fácil de entender, certo? Errado. É uma discussão absurda quando qualquer um discorda das HABILIDADES ABSURDAS DO MALUCO DO NXIIIIIIIISSSSSSSSS! Amigo, saber girar no ar com a guitarra não te faz um bom músico; calças coloridas não te fazem um bom músico; aparecer na televisão não te faz um bom músico; ser famoso não te faz um bom músico.

O que te faz um bom músico é saber o que você está fazendo, física e teoricamente. E não adianta dizer que música não é matemática, que teoria não ajuda, que a alma está no improviso, e que os melhores são autodidatas. Música é sim matemática, tudo se encaixando perfeitamente; a teoria te ajuda e muito, mesmo que você seja bom, e só porque os melhores são autodidatas, não quer dizer que eles não poderiam ser melhores. Quanto à alma do improviso, eu também acho isso, e de uma composição boladona também, mas não quer dizer que só porque você sabe improvisar, você é bom, e que todo o seu sentimento está ali.

   Eu sinceramente duvido que esses rapazes bem portados do HARDCORE (fresco) BRASILEIRO expressem tudo que sentem em poucos acordes vagabundos, que são esmurrados sem dó durante toda a música, sem novidade nenhuma. Se eles conseguem, são pessoas bem vazias.

   Agora você, caro leitor, deve estar imaginando que eu sou uma pessoa reclusa em meu quarto escuro, com meus discos antigos de jazz, que não consegue aceitar nada que não venha em três vozes em uma partitura e nem novas formas de música. Mas você está equivocado, MY BOY!

   A garota dos meus olhos é a música experimental: barulho, ruído branco, berros desenfreados, narrações quilométricas, músicas maiores ainda, sons ambientes, instrumentos incomuns, técnicas menos ainda, e métodos pouco usuais. Mas também não dispenso AQUELE chorinho no violão, se isso for bem feito, e sair do comum, no que diz respeito a chorinhos, no caso (que, em importância do fato, sempre são iguais). Soa contraditório, mas a verdade é que só ser diferente, que me enche os olhos. Não vejo muitas coisas iguais à Boredoms, mas também não vejo muitas iguais à Asturias. As duas conseguem sair do padrão, e o resultado é espetacular.

   Pois bem, a questão agora é outra, então: essas bandas experimentais, em sua maioria, não devem ter conhecimento teórico, que eu disse ser importante. Então por que eu dou valor a elas? Porque eu sou hipócrita e preconceituoso, RS (risos)!

   Não, a verdade é que eu dou valor a essas bandas porque elas sabem o que estão fazendo. Seja pelo conhecimento marginal, seja pelo conhecimento usual, todas elas sabem exatamente o porquê das coisas saírem como saem. Ou pelo menos passam a impressão. Até o caos apocalíptico doentio e brutal do Lightning Bolt tem sua estrutura bem formada, e uma composição muito bem feita.

   E isso abre pra outro ponto: você deve saber montar uma estrutura, pra depois desmontá-la. É assim com tudo, não dá pra sair por aí chutando o balde sem ter o mínimo conhecimento da causa.

   Enfim, voltando ao ponto crucial: bandas ruins, e pessoas que as veneram.

   Pode até ser que esses rapazotes afrescalhados saibam o que estão fazendo (o que eu duvido), mas se esse é o caso, então eles merecem menos respeito do que já tem. Porque saber fazer e se contentar com o simples, o três acordes e os ritmos pra lá de manjados, caracteriza uma pessoa IMBECIL. Saber fazer e não querer nem um pouquinho de inovação, é pra gente assim. E fazer algo diferente não significa fazer algo alienígena, e isso eu posso demonstrar com duas bandas que tem o meu apreço pra vida toda: Sonic Youth e Wilco.

   O Sonic Youth faz barulho, tem praticamente uma afinação diferente pra cada música, customiza guitarras pra soarem de modo diferente, e não poupa na experimentação. Geniais, e sabem o que estão fazendo.

   O Wilco toca folk. E todos sabem que folk é uma coisa ruim. Mas o Wilco, veja você, consegue fazer o folk sair bom, porque eles não se limitam unicamente a isso. Eles também fazem barulho e experimentam, mesmo que de forma mais sutil. Até as músicas voz e violão deles são boas, porque são bem feitas, e dá pra ver que muito pensadas. Eu nunca vi uma banda que consegue funcionar tão bem junta. É como se cada coisa fosse crucial pro funcionamento de tudo, por menor que seja. Geniais, e eles sabem o que estão fazendo.

   O Glória (usar "a" pra se referir a uma banda é difuder) eu não faço idéia do que toca. Segundo a Wikipedia, é post-hardcore, mas não sei o que isso realmente quer dizer. Bom, parece uma mistura estranha entre NX Zero e bandas de metal, com direito a grunhidos BOLADOS. Você não precisa ouvir pra saber como é o som deles: a bateria é manjada, os guitarristas ou fazem solos totalmente dispensáveis ou ficam nos mermos três acordes tão amados pela galera, e o vocal acha que sabe cantar um metal FROM HELL. Porque é isso que é, se formos levar em conta: uma banda de metal que se perdeu no meio do caminho. Ruins pra caraleo, e não sabem o que estão fazendo. E eu não estou falando de técnica, pra deixar claro.

  A diferença é absurda, e é por isso que eu fico tão desgraçado. É impossível que as pessoas ouçam isso, e não pensem “huuuuuum, já ouvi isso em algum lugar”. Basta você ter um conhecimento mínimo do que rola agora no nosso país tropical, que você vai saber que todas essas bandas parecem conversar entre si, como se uma fosse a continuação da outra.

   E já que estamos nessa de comparações, vamos falar das letras:

   O Sonic Youth já disse coisas como “all comin' from human imagination, day dreaming days in a daydream nation”, o Glória disse coisas como “hoje perco você em meus braços e morro um pouco mais”.

   O Wilco disse “god is with us everyday, that illiterate light, is with us every night”, o Cine disse “aposto um beijo que você me quer”.

   Esse abismo me leva a outro ponto: a maioria dessas bandas são formadas por caras que ainda estão passando pela puberdade. Jeff Tweedy já abandonou as noites de punheta. Eu acho. Possivelmente é por esse fato que os mais novos sucessos do ROCK brasileiro usam calças coloridas apertadas e cabelos lambidos. Isso me perturba profundamente, amigos, e espero que não seja só eu.

   A estética se une à música, e o resultado não é bonito: vocais enjoados, como as vozes infantis da Sessão da Tarde, clipes no mínimo retardados e instrumentais de dar dó. Se você gosta disso, por motivos que não envolvem o humor, sua credibilidade nas ruas está muito comprometida, porque amigo, gostar de uma banda em que os integrantes usam calças amarelas ou usam roupas apertadas ou ambos, não é bom pra sua imagem perante os vizinhos, e você não quer isso, eu não quero isso, ninguém quer isso. 

   E tudo fica ainda pior, quando menininhas chiliquentas resolvem elogiar essas bandas tão marotas: a discussão é impossível, e a infantilidade toma conta, por isso, vale salientar que ninguém tem inveja dos caras do Fresno (espero) e ninguém quer cantar como o DH (o infame vocal do Cine).

   Eu não posso esperar que todo mundo saiba tudo isso sobre música, pra ter uma base de comparação, mas levaria uma vida melhor se ninguém dissesse que os acima citados tocam muito. Porque não tocam, e você vai se decepcionar quando souber disso. É como sair por aí falando de carros, sem nunca ter dirigido um, e não saber o que é uma vela (isso é o texto anterior, na verdade): na dúvida, fique quieto. 

   Pra começar a finalizar, todos sabemos que afirmações sem base alguma figuram entre as grandes babaquices da vida, por isso eu quero deixar claro que eu sei do que eu falo quando eu me refiro à teoria e coisas assim (foda-se a pretensão), e que enquanto escrevia isso, ouvi Glória, Fresno, Cine e Restart. Isso se chama pesquisa de campo, eu acho, sendo o campo, o Youtube. Além disso, vale dizer que eu perdi meu ponto inicial, mas isso já é algo recorrente em meus textos, então eu passo sobre isso, e vou levando.

   Pra finalizar junto com o Kicking Television, o espetacular disco ao vivo do Wilco, deixo três vídeos pra avaliação da causa, sendo um do Glória, um do Restart, e um do já muito citado Wilco, porque eu confio no meu candidato.


   Toma-lhe!

3 comentários:

  1. Li até o final, e digo que concordo inteiramente com seu ponto de vista. Não posso omitir o fato de que me diverti em parágrafos como:

    " O Wilco disse “god is with us everyday, that illiterate light, is with us every night”, o Cine disse “aposto um beijo que você me quer”."
    ---
    E, claro, o fato de ser fã de Wilco contribuiu bastante, hehehe.
    Belo Post!

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  2. Belo post, meu caro! Um belo corpus, uma boa pesquisa de campo. Tudo misturado a uma acidez ímpar, de quem também está na puberdade. Só, pra constar, todos estaremos nela para sempre, só vai mudar de nome. A crítica é humorada. Também ri no mesmo trecho que a Mel.

    Estou ouvindo Wilco. Mas não precisaria disso para colocá-lo na lista de quem pode achar! Vc já tem lugar garantido.

    Só uma coisa, vc acerta quando diz que parece que as bandas são extensões umas das outras, conversando entre si sem muito de original. Mas, erra quando fala que os chorinhos são iguais.

    Ontem, no Chorinho do Bexiga, vc precisava ver um virtuse do cavaquinho. E ouvir o "Choro Doido".

    Belo post, agora vou ouvir "a" Glória.

    abraço

    marceloquaz

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  3. Caro Eduardo, belo texto. Esse sentimento wannabe banda fraca é simples: é mais fácil ser o cara da banda fraca. Três acordes são praticamente parte de um movimento de inclusão social. Há pouco que se caminhar. Pouco que se pensar, pouco que estudar, pouco pra querer ser. Mais fácil (e rápido) de alcançar, não acha? Sinais dos tempos. Outro dia vi no jornal que a "grande banda X" ia lançar uma retrospectiva com seus quatro anos de carreira. Quatro anos? Poupem-me de desgraças compiladas. Só queria fazer mais duas observações: 1) Coisas simples podem ser maravilhosas também. Mas as que são de uma simplicidade genuína e não fruto apenas da indolência; 2) Folk é bom pra caráleo. Obviamente que existe uma distância cultural que nos separa do estilo, mas tem seu encantamento. Tanto é que o gênero é uma referência muito forte ainda hoje.

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